Preciosidades

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Assim na Terra como no Céu. José Eduardo Escobar Nogueira


De repente fechei os olhos como quem faz as trouxas e, sem me mover, saí para dar uma volta. Imagine você, que fui até o céu (o céu não é longe) saciar as saudades. Chegando lá, após ter apertado em vão, várias vezes, a campainha, bati. Ouvi passos do outro lado da parede. Morrison abriu a porta; fiquei parado, boquiaberto, sem saber se pedia um autógrafo - talvez tietice demasiada - ou se dizia: - Oi, como vai?, que julguei muito cinismo. Preferi ficar calado, enquanto passava os olhos naquele salão cheio de almas. Jim Morrison continuava ali, imóvel e silencioso.


Deslumbrado pela decoração do céu, continuei observando. A orquestra tocava uma música conhecida dos meus ouvidos. Era "IMAGINE", de John Lennon. O próprio beatle tocava o piano acompanhado pela guitarra de Jimi Hendrix e pelo vocal de Janis Joplin. À minha esquerda dois homens feios discutiam filosofia; um tomando cicuta, outro lambuzando o bigode com sorvete. Impossível não reconhecer aquela fealdade característica de Sócrates e Nietzsche. Mais à frente, enquanto Bruce Lee se exercitava, Freud se masturbava em movimentos rápidos, olhando para a bunda de Marx, que experimentava a fantasia de Papai Noel, afinal, o natal estava chegando.


Apaixonado, quase não vejo Jesus Cristo (aquele que nós crucificamos) lavando os pés do imundo Charles Chaplin. Pareceu-me uma cena muito engraçada, uma representação digna de indicação para o "OSCAR 2000". Ainda vi Picasso e Van Gogh, que pintavam uma nuvenzinha ali, uma estrelinha lá. Tive vontade de ficar, mas entendi que não havia lugar para normalidades, só para gênios.


Olhei para Morrison e, só então, falei:

- Good bye!


Quando pensei que o sonho havia acabado, cruzei com Quintana. Idiotamente perguntei:

- O que faz aqui o poeta?


- Eu moro aqui! - disse ele, tirando do bolso a chave do céu.



P.S: Conto transcrito, vencedor de um Concurso Literário de Santa Maria, RS. O autor, José Eduardo Escobar Nogueira , nasceu em 1971, em Fortaleza dos Valos, no Rio Grande do Sul. É professor de literatura e atualmente vive em Pejuçara e trabalha em Porto Alegre. Já publicou O meu primeiro milagre (1994), Arame farpado (1998), Milongol (2003) e Curta-metragem (2006).

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