Preciosidades

segunda-feira, 22 de março de 2010

A Arte de Escrever. Edson Aran


Frequentemente ouço a pergunta: “O que devo fazer para ser um escritor de sucesso e ter todas as mulheres aos meus pés?” Nesse momento, balanço a perna para que as garotas se desgrudem, coloco a mão no queixo e respondo: “Primeiro arrume papel!”

Escritores iniciantes costumam escrever na areia, nos muros e, desde o advento do computador, no vácuo. Mas, na verdade, você só precisa de lápis, papel e uma ideia na cabeça ou, se for o Paulo Coelho, apenas de lápis e papel.

Comece pelo alto esquerdo da folha e preencha o espaço em branco até o lado direito. Recomece logo abaixo da primeira frase e repita a operação até o papel ficar cheio de letras. Então pegue outro papel.

Escritores iniciantes devem começar escrevendo bilhetes, hai-kais, números de telefone e bulas de remédio. Só mais tarde é que devem se arriscar em romances, poemas épicos, listas telefônicas e bulas papais.

Existem dois tipos de livros: os de ficção e os de não ficção. Os de ficção são histórias que parecem reais e que sempre terminam mal. Os de não ficção são histórias que parecem irreais e que sempre terminam bem. Isso acontece porque, na ficção, o autor se vê obrigado a entediar os leitores com a falta de sentimento da existência. Já a não ficção só funciona quando os personagens deram algum sentido à própria existência. E depois ninguém sabe por que “reality show” faz tanto sucesso.

Um dos grandes ramos da não ficção é a autoajuda. Funciona quase igual. Só que na autoajuda, o autor, em vez de fazer o personagem andar até a porta, apenas dá as ordens; “Vá até a porta, cabeção, e vê se não tropeça!”

Teóricos da ficção dividem o texto, qualquer texto, em três grandes momentos: introdução, desenvolvimento e conclusão. No primeiro momento você introduz os personagens: Madame Bovary, este aqui é o jardineiro. Jardineiro, madame Bovary. Prazer. No segundo momento, você desenrola a ação. Jardineiro come madame Bovary, e a mulher fica falada. No terceiro momento, você conclui a ação. Madame Bovary morre. Jardineiro posa pra revista gay.

Só tente desestruturar narrativas depois de aprender a estruturá-las. Senão você vai ficar parecendo um poeta concreto, e ninguém gosta de poetas concretos.

Para começar a escrever você precisa de um tema. Se você for homem, pode escrever sobre o desatino da humanidade, a falência das ideologias, a importância do amor, a ausência de Deus e a falta de sentido na existência. Se você for mulher, pode escrever sobre macho e celulite.

Além do assunto, você precisa de uma ideia. Assunto é assim: “Homem conversa com cachorro e o animal o manda sair matando gente”. Já a ideia é assim: “Não há sentido algum na existência, principalmente quando se dá ouvido a cachorro”.

Terminar um texto é uma arte. O ideal é que tudo seja um grande arco e a cadência das palavras conduza naturalmente ao final. Mas, desde que a carrocinha de cachorro parou de recolher contistas, a coisa mudou um pouco. Agora os textos acabam de qualquer jeito, sem conclusão e até mesmo sem terminar a. 

(Edson Aran – O estado da nação, in “A arte de escrever - Não perca mais tempo! Tenha mulheres! Dinheiro! Sucesso!” – p.130/131, Revista Playboy nº 418 de 03/2010)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.