Preciosidades

domingo, 4 de abril de 2010

Sonho de voar. Armando Nogueira (1927-2010)


“Voar é um milagre.
Que o digam os dois terços dos seres vivos aos quais a vontade divina concedeu tão abençoada graça.
Por isso, considero todos eles os grandes rebentos dos céus.
Há quem veja no aviador um ser heróico. Pois eu vos digo do alto do meu ultraleve: nem heróico, nem épico. O homem que voa é, sobretudo, um ser utópico. Um ser místico.
Voa borboleta - asas de vitrais ao seu vôo soluçante.
Voa galinha - não sei bem pra que puro assanhamento.
Voa bem-te-vi – benza-te Deus!
Voa garça, branca, leve - branca de neve.
Voa andorinha - prenda minha.
Voa urubu, luto fechado, teu planeio te redime.
O mosquito, bichinho à toa - também voa.
O vaga-lume também voa - vaga luz, navegando pela noite sua noite intermitente.
Voa o morcego - nunca vi asas tão vis.
Voa coruja - rasante maldição da meia-noite.
A gaivota voa - como invejo a tua dócil geometria!
Até o besouro... o besouro também voa, rastejando pelo espaço sua penosa aerodinâmica.
Graças à imaginação, o homem acabaria contemplando com o Dom de voar. Um dia, alguém me perguntou por que gosto tanto de voar. Devaneio puro.
Quem voa, sobrevoa.
Quem voa, sobreleva.
Quem voa é cúmplice dos ventos.
Quem voa perpassa o arco-íris.
Quem voa reparte com os anjos a castidade azul do céu.
Quem voa sabe que nuvem tem coração de mulher: beija e balança.
Quem voa sente o perfume da rosa dos ventos.
Quem voa contempla, de perto, o instante em que o sol se cala.
Quem voa, quando pousa, está voltando da eternidade.
Só quem voa descobre o tamanho de Deus.”

“Troco duas pernas em bom estado de conservação por duas asas bem voadas.”

(Armando Nogueira - *14 /01/1927 + 29/03/2010, jornalista, poeta, aviador, cronista esportivo)

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