Preciosidades

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Todo dia tenho vontade de desistir da literatura. Fabrício Carpinejar


Fabrício Carpinejar é poeta, jornalista e mestre em literatura pela UFRGS. Com mais de dez livros lançados entre poesias e crônicas, o escritor gaúcho já ganhou diversos prêmios por sua obra. Em entrevista à CONHECIMENTO PRÁTICO LITERATURA, Carpinejar conta sobre como lidar com a sombra de Bartleby, o significado de escrever e as dificuldades que ele e outros escritores enfrentam com as palavras.
CP LITERATURA - Talvez, a única pergunta que importa, e uma das mais difíceis de responder seja: o que te faz escrever?
Fabrício Carpinejar - Realmente, é a pergunta que mais atormenta. É uma urgência. O que me faz escrever é a incapacidade, a incompetência para fazer outra coisa. A literatura é um circo, essa possibilidade de completar as falhas, de ter uma honestidade e uma autocrítica muito mais contundente. Por que eu escrevo, então? Porque eu não consigo me enterrar o suficiente.
CP LITERATURA - E o inverso? O que te faz não escrever?
Fabrício Carpinejar - A sua vida quando está muito perfeita. A alegria é meio burra, por mais que eu tenha tentando alfabetizar a alegria, principalmente na poesia. Parece que você precisa ser trágico, fodido, ferrado, acabado, para escrever alguma coisa. Eu não escrevo na hora que a vida não precisa de mediação. O escritor precisa entender que, em alguns momentos, ele mais escreve quando não escreve. A literatura tem que ter um minuto de silêncio. Não adianta somente escrever para ocupar, você escreve para desocupar, para dar espaço. Também não pense que vai ser gênio, porque não conseguirá escrever nada que preste.
 CP LITERATURA - É como quem escreve buscando a eternidade através da literatura. Não?
Fabrício Carpinejar - Exatamente, que eternidade, tchê? Não tem como buscar a eternidade, a gente rão consegue buscar nem coisas muito mais elementares e prosaicas, imagina a eternidade. Esse fato de escrever para a eternidade é um pouco o sonho do suicida. Aquele sonho que é natural em todo mundo, de se imaginar morto, rodeado pelos amigos, todos chorando. A gente não tem que procurar a perfeição, a perfeição paralisa. A gente tem é que combater ao mesmo tempo a facilidade e a dificuldade. Por isso, a literatura é tão difícil. Ela é uma medida e nem todos admitem o possível, todos querem o ideal.
CP LITERATURA - Você certamente tem um lado muito crítico. Como lidar com isso?
Fabrício Carpinejar - Não existe escritor que não tenha vontade de desistir da literatura toda vez que acorda. Todo dia eu tenho essa vontade. É muita entrega, vulnerabilidade, é uma  paixão desmedida. A desconfiança é sadia, ela que vai trazer depois o prazer, o gozo, o regozijo.
CP LITERATURA - E como fazer para suportar essa vontade?
Fabrício Carpinejar - Tem que pensar que o lado crítico humaniza o escritor. Não pode ser niilista, mas a autocrítica vai levar ao humor, a uma irreverência crítica, à ironia. A gente precisa um pouco disso, dessa nitroglicerina do riso, que é admitir os defeitos. Não tem defeito que não possa virar virtude, mas precisa passar pelo vestíbulo do riso.
CP LITERATURA - Quando você mostra um texto, certamente vem uma expectativa do que a pessoa vai achar, seja leitor, parente ou crítico, como lidar com essa espera?
Fabrício Carpinejar - Nâo tenha pressa. É isso que falo. Não tenha pressa. Ninguém tem a obrigação de gostar do que eu fiz. Isso é um erro dos escritores. Eles publicam pensando num consenso. Não há consenso. Não há consenso nem dentro de mim, há muita discordância em mim. Quantas vezes eu li um livro, disse que não gostava e dez anos depois, eu estava em outro contexto, e o livro se abriu generosamente.
CP LITERATURA - Você já afirmou que a literatura não substitui a vida, mas qual a função dela? Para onde ela leva?
Fabrício Carpinejar - Eu não vejo a literatura como fracasso, a literatura não é para suplantar a vida, a literatura é para te ensinar a viver melhor. Ela intensifica a sua observação, você se torna até um pouco autista porque enxerga aquilo que está à sombra, você fica mais humilde. Escrevemos para suportar um dia não escrever mais. É uma preparação. Se você quer o paraíso, procure outra profissão.
(Fonte: Revista Conhecimento Prático – LITERATURA – nº 22, p. 32/33)

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