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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O que é Jazz?

Miles Davis
Por Daniel J. Levitin.

O processamento estrutural é uma fonte de dificuldade na apreciação de uma nova peça musical. Não entender a forma-sinfônica, a forma-sonata ou a estrutura AABA de um padrão jazzístico é o equivalente, na audição musical, a dirigir por uma autoestrada sem sinalização: nunca sabemos onde estamos nem quando chegaremos ao destino (ou sequer a uma etapa intermediária que representa um marco de orientação). A título de exemplo, muitas pessoas simplesmente não “entram” no jazz, dizem que parece uma louca improvisação sem estrutura nem forma, uma competição musical para espremer o máximo de notas no menor espaço possível. Há vários subgêneros dentro do que é coletivamente chamado “jazz”: dixieland, boogie-woogie, bigband, swing, bebop, “straight-ahead”, acid-jazz, fusion, metafísico e assim por diante. “Straight-ahead”, ou “jazz clássico”, como às vezes é chamado, é basicamente a forma-padrão do jazz, análoga à sonata ou à sinfonia na música clássica, ou a uma típica canção dos Beatles, de Billy Joel ou dos Temptations no rock.

No jazz clássico, o artista começa tocando o tema principal da canção, muitas vezes uma melodia conhecida da Broadway ou que já fez sucesso com algum outro músico; essas canções são conhecidas como “standards”, sendo alguns exemplos “As Time Goes By”, “My Funny Valentine” e “All of Me”. O artista vai até o fim da forma completa da canção uma vez, em geral, dois versos e o refrão, seguido de outro verso. Damos a isso o nome de forma AABA, representando aletra A o verso e a letra B, o refrão, ou seja, verso-verso-refrão-verso. Muitas outras variações são possíveis, naturalmente. Algumas canções têm uma seção C, chamada de ponte. 

O termo
refrão é usado para designar não só a segunda seção da canção, como também uma execução integral de toda a forma. Em outras palavras, a execução integral do módulo AABA de uma canção é referida como “tocar um refrão”. Quando eu toco jazz, se alguém diz “Toque o refrão” ou “Vamos repassar o refrão” (usando o artigo o), todos entendemos que está se referindo a uma seção da canção. Se, ao contrário, disserem “Vamos repassar um refrão” ou “Vamos fazer alguns refrões”, todos sabem que se referem à forma inteira.

“Blue Moon” (Frank Sinatra, Billie Holiday) é um exemplo de canção em forma AABA. Um artista de jazz pode brincar com o ritmo ou o clima da canção, ornamentando a melodia. Depois de tocar a forma da canção inteira uma vez, aquilo a que os músicos de jazz se referem como “a cabeça”, os diferentes integrantes do conjunto improvisam alternadamente novas formas musicais em torno da original e da progressão harmônica. Cada músico toca um ou mais refrões, e em seguida outro músico retoma do início da cabeça. Durante as improvisações, certos artistas não se afastam muito da melodia original, enquanto outros adicionam variações harmônicas cada vez mais exóticas e distantes. Quando todos tiveram a oportunidade de improvisar, a banda retorna à cabeça, tocando-a mais ou menos sem alterações, e finaliza. As improvisações podem prolongar-se por muitos minutos: muitas vezes uma interpretação jazzística de uma canção de dois ou três minutos pode estender-se por até 10 ou 15 minutos. Existe também uma ordem chamada habitual para as improvisações: primeiro os instrumentos de sopro, seguidos pelo piano e ou a guitarra, vindo então o baixista. Às vezes o percussionista também improvisa, normalmente depois do baixo. Certas vezes os músicos também dividem parte de um refrão, cada um deles tocando quatro ou oito compassos para em seguida passar o solo a outro músico, numa espécie de corrida de bastão.

Para um observador inexperiente, tudo pode parecer caótico, mas o simples fato de saber que a improvisação parte dos acordes e da forma original da canção pode fazer uma grande diferença para a orientação do neófito quanto ao momento em que os músicos se encontram. Muitas vezes recomendo a quem está começando a ouvir jazz que se limite a cantarolar mentalmente o tema principal quando a improvisação começa com frequência é o que os próprios improvisadores estão fazendo —, o que contribui consideravelmente para enriquecer a experiência.

Cada gênero musical tem suas regras e sua forma. Quanto mais ouvimos, mais as regras se impregnam na memória. Quando não há familiaridade com a estrutura, pode decorrer frustração ou simplesmente falta de real apreciação. Conhecer um gênero ou um estilo significa ter efetivamente uma categoria construída ao seu redor e ser capaz de distinguir novas canções como membros dessa categoria ou alheias a ela ou ainda, em certos casos, como membros “parciais” ou “nebulosos”, sujeitos a certas exceções. (in “A música no seu cérebro”, Daniel J. Levitin, p.266/268).

 

 

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